O que diz o bipe da repetidora?
Publicado 24. Jul, 2020 por PY2JF - João Roberto como Artigos, Repetidoras
Por João Roberto S. G. Ferreira, PY2JF
Se alguém lhe perguntasse qual a finalidade desse bipe, provavelmente sua resposta seria algo como: é indicador de fim de transmissão ou confirmação de que estamos acionado a repetidora. Certamente ele serve à esses propósitos, mas esses seriam benéficos colaterais à sua principal razão de existir. Ele é chamado de bipe de cortesia por uma razão que veremos mais adiante.
Se você vive nas proximidades de grandes centros urbanos provavelmente estará na área de cobertura de alguma repetidora de VHF ou UHF. Aqui na região de Campinas – São Paulo são dezenas delas. São tantas que, aos menos no espectro de VHF, não há mais canais disponíveis. E se você já usou alguma, saberá que uma das caracteristicas mais marcantes de uma repetidora é seu bipe de cortesia ao final de cada transmissão.
Outro benefício colateral é distinguir uma repetidora da outra. Cada mantenedor – aquele sujeito que mantém a repetidora no ar – tende a escolher um som único. Dessa forma os usuários se acostumam com ele e de ouvido saberão em que repetidora estão sem mesmo olhar para o display do rádio. É mais ou menos como o plim-plim da TV Globo. Você nem precisa estar em frente a TV, mas se ouví-lo saberá qual é a emissora. Nossa repetidora em Santa Rita do Passa Quatro (PY2KSR), utiliza exatamente esse som como bipe de cortesia. Todos na região sabem que estão ouvindo Santa Rita pelo som do bipe. Inclusive isso é bem conveniente aos deficientes visuais.
Antes de continuarmos, precisamos conhecer alguns aspectos técnicos da operação de uma estação repetidora. A Anatel, agência que regulamenta o serviço de radioamador, faz várias exigências para sua operação. Dentre elas a obrigatoriedade do Timerout Timer (TOT), dispositivo que limita em 3 minutos o tempo máximo de cada transmissão. Sem ele estaríamos ouvindo discursos tão longos quanto aqueles comuns na banda de 40m. Repetidoras são recursos escassos e é essencial garantir que não haja monopólio de operação.
Esse timer é um contador que se inicia assim que a repetidora é acionada. Se o usuário exceder o tempo máximo, a repetidora interrompe sua transmissão. Cada repetidora trata essa interrupção de uma maneira. Isso depende dos recursos da controladora da repetidora e de escolhas do mantenedor. Pode ser desde uma interrupção momentânea até que o causador pare de transmitir, como pode ser uma interrupção por um determinado tempo. Algumas repetidoras soam um alerta indicando vencimento do timer e outras cairão sem aviso prévio. Sabendo disso, é sempre bom ficar alerta, pois existe a tradição em cobrar uma caixa de cerveja de quem derruba a repetidora por falar demais. Falar demais pode custar caro.
Agora a principal razão da existência do bipe, e talvez a menos disseminada, é a de informar que o contador do timer foi zerado para o próximo falar. Mas não é apenas no bipe que devemos prestar atenção, mas no rabicho todo. Chamamos de rabicho aquela portadora sem modulação onde ocorre o bipe após o operador finalizar sua transmissão. No rabicho, além do bipe, temos o pré-bipe e o pós-bipe.
Pré-bipe – Assim que um usuário termina sua transmissão, a repetidora mantém a portadora no ar sem modulação por aproximadamente 2s antes de emitir o bipe. Ele também é conhecido como janela de oportunidade, já que é essa janela que garante à quem não está na conversa uma brecha para entrar.
Pós-bipe – Após o bipe, a portadora sem modulação continua por mais um tempo relativamente longo, quando então para de transmitir. É nesse período que o outro operador deve inicia sua transmissão.
Agora que sabemos de todos esses detalhes técnicos, vejamos como se desenrola um QSO nessas condições. Quem já teve oportunidade de ouvir repetidoras analógicas nos EUA notará que essa configuração é bem comum por lá e os operadores bem comportados. Na realidade essa configuração força a prática da cortesia.
Cenário 1 – Dois operadores conversando sem interrupção
Assim que o operador 1 termina sua transmissão, vem a janela de oportunidade e nem ele e nem o operador 2 devem transmitir nesse momento. Então ocorre o bipe que zera o timer e em seguida vem o período de pós-bipe. O operador 2 inicia sua transmissão durante o pós-bipe, sem esperar a repetidora cair.
Operar dessa forma resulta numa operação silenciosa e mais agradável aos ouvidos. Se o operador 2 esperar a repetidora cair, ele ouvirá aquele desagradável ruído de fechamento do squelch do próprio rádio. Normalmente os circuitos de squelch dos rádios tem histerese (tempo de fechamento) excessiva, resultando no tradicional chiado. Não há razão alguma em esperar a repetidora cair como fazemos aqui no Brasil. Da forma que estamos acostumados a operar, o ruído de fechamento de squelch constante causa fadiga nos operadores e muitas vezes nem nos damos conta disso.
Cenário 2 – Dois operadores conversando com interrupção
Assim que o operador 1 termina sua transmissão, durante a janela de oportunidade, um terceiro operador entra e se identifica. Assim que ele para de transmitir, vem novamente outra janela de oportunidade e então o bipe. Agora o operador 2 fala ou já passa a palavra ao recém chegado operador 3. Uma vez na conversa, o processo volta a funcionar como no cenário 1. O desenrolar da comunicação é organizado, silencioso, sem ruídos de squelch e com a cortesia garantida a quem desejar entrar na conversa.
Da forma que estamos acostumados a operar, que é esperar o bipe e a queda da repetidora, priorizamos a confusão e a fadiga. Garantimos o reset do timer, mas ouvimos o crash do squelch a cada mudança de operador. Quando passamos a palavra, se alguém quiser entrar na conversa, a chance de atropelar o outro operador que iria falar é enorme. Porque como não somos forçados a cortesia, o espaço que esperamos antes de transmitir depende da consciência de cada um. Todos nós já nos deparamos com operadores tão rápidos no gatilho que entrar na conversa é quase uma missão impossível. A diferença de comportamento entre nós e os americanos é que eles são forçados à cortesia, e isso faz toda diferença.
Nós do CRAM, Clube dos Radioamadores de Americana, decidimos padronizar todas as nossas repetidoras para operar dessa forma, priorizando a cordialidade e uma operação mais confortável aos ouvidos. Quanto a outras repetidoras, dependerá de seus mantenedores se convencerem dos benefícos dessa forma de operar. De qualquer modo, quando se deparar com uma repetidora com espaço maior antes do bipe e um pós-bipe longo, saberá do que se trata e como agir.
Mas voltando ao nosso tema principal, você acredita que o bipe pode ainda dizer mais? Algumas controladoras de repetidora tem entradas de monitoramento ou alarmes que mudam o bipe para indicar essas ocorrências. Ele pode, por exemplo, mudar do tom normal para uma letra B em telegrafia informando que no momento a repetidora está sem energia, operando com bateria e com potência reduzida. Pode mudar para letra L em telegrafia para indicar que o operador que acabou de falar entrou pela porta de link. Constantemente se cria uma nova funcionalidade para o bipe de cortesia. Haja criatividade!
Após esse papo, desconfio que o bipe da repetidora nunca mais será o mesmo para você.
Algumas considerações sobre squelch
Como comentado anteriormente, a histerese do squelch de nossos rádios é relativamente longa. O fabricante tenta um meio termo entre fechamento rápido e lento. A vantagem do fechamento rápido é não causar fadiga, o ruído é curto e não incomoda. A desvantagem é que sinais fracos ou instávéis sofrerão cortes constantes. Por outro lado, o fechamento lento pode dar a chance do sinal fraco ou instável melhorar antes que o squelch se feche, não causando cortes constantes. Mas fechamento longo é ruidoso e resulta em fadiga de operação.
Quando montamos repetidoras utilizando rádios comuns, trazemos esse problema da histerese relativamente longa para toda conversa. Quando o operador termina sua transmissão e o squelch da repetidora se fecha, será ouvido o ruído de fechamento antes da janela de oportunidade. Uma solução para esse problema é o uso de um squelch bi-nível, também conhecido por super squelch ou smart squelch. Quando o sinal do operador é forte, o squelch fecha rapidamente. Se o sinal for fraco ou instável, o fechamento é longo. Dessa forma temos uma operação confortável aos ouvidos com sinais fortes. Mas quando o sinal é ruidoso ou instável, o que por si só já causa fadiga, temos um fechamento longo que tende a aumentar as chances do sinal ser ouvido e não cortado pelo squelch. Uma vantagem extra desse tipo de squelch é que podemos identificar se um sinal é maior ou menor que S5 no receptor da repetidora sem ter que perguntar a ninguém.