CRAM

Radioamador em Destaque: PY2BDJ – Amador Joly

Publicado 26. Oct, 2001 por PY2JF - João Roberto como Radioamadores

Por PY2JF – João Roberto S. Gandara Ferreira

No dia 26/10/2001 nós perdemos nosso grande amigo Amador Joly – PY2BDJ, com certeza conhecido por muitos de vocês, uma vez que sua estação atingia grande parte do estado de São Paulo. Trabalhei com ele por muitos anos no CPqD da extinta Telebrás, e embora atuássemos em áreas distintas, eu sempre o visitava em seu laboratório para um bate papo. Aprendi muito com ele em matéria de antenas e RF, pois passávamos horas e horas mergulhados em assuntos técnicos, principalmente os das faixas de VHF e UHF. Não vou me alongar muito, pois o Fábio PY2FI tem muito mais a dizer. Mas só para ficar registrado, aqui vão algumas de suas frases famosas, sempre presentes em seus comunicados: “Quem tem dó de angú não cria cachorro” ; “um quilômetro a menos ou um metro a mais – em eletrônica funciona” ;
Quando algo estava estragado, estava “Espingardeado” ; “Seu sinal caiu 10dB! O que você aprontou aí?”

Por PY2FI – Fabio G. S. Bueno em matéria especial para o CRAM

Meu amigo Barão De Jaguara 32

Quem era PY2BDJ

No dia 26 de outubro de 2001 nos deixou um dos maiores radioamadores brasileiros. Muito me honra escrever algumas palavras sobre ele, que apesar de singelas, com certeza tentam expressar todo apreço que eu e um grande contingente de pessoas possuem pelo grande e inesquecível Joly, um radioamador e pessoa que expressava um modelo de comportamento, um jeito de ser, o valor de alguém atualizado com a tecnologia, com o perfeccionismo, com o método e finalmente com o radioamadorismo. O próprio nome de batismo já demonstrava uma das suas paixões – “Amador Joly”.

Anos 70 – Já era uma lenda

Conhecemos PY2BDJ em meados dos anos 70, transmitindo do alto do Castelo,  da  Rua  Miguel  Penteado,  296 (dois nove meia dúzia – como ele mesmo dizia), o Joly (“como Japão, Oceania, Londres, Yucatan” – expressão comum quando o interlocutor não entendia seu nome) era então o PX2-2001 (aquele “que não é  fogão”  – como ele mesmo dizia – 2001 era um fogão da DAKO – o mestre adora um  trocadilho).  Na época, um radioamador já remido da antiga Labre  (já tinha  mais  de  25  anos  de Labre – a associação Labre era compulsória nesta  época),  Joly  se  embrenhava  pelo rádio cidadão ou PX (“chapa de caminhão”  – como  ele  dizia). Antes dessa época, o Joly já tinha feito lenda,  como  um  dos  iniciantes da televisão em Campinas, lidando com o antigo  UHF  (conversores  LB, lembram-se?) ou mesmo com as primeiras televisões  a cabo (por incrível que pareça o cabo foi o primeiro condutor de sinais de TV em Campinas, na década de 50).

Joly e o VHF

Descobrimos em 1977 o VHF e foi o Joly o grande ponta de lança em Campinas nesta faixa. Com seu Passat creme, Joly era figurinha fácil do Baiano’s DOG nas esquinas da Rua Júlio de Mesquita com Coronel Silva Teles em Campinas. Bons tempos aqueles, quando exatamente todos os dias tínhamos tempo de nos reunir no local, conversar e “simplesmente jogar o papo fora”. Ali o Joly encontrava os seus grandes amigos, muitos dos quais o acompanharam até   hoje:

PY2FLY – Dr. Alvaro Afonso Ferreita (falecido), PY2MX  – Romano Bacci, PY2AIU – Nardinho, PU2VWL – Enio, PU2XKK – Amauri, PU2XXT – Raquel, PY2YM – Carlos Guglielmineti, PY2ZE – Adolfo Lenzi (este prefixo passou para o Felipe de Americana), PY2GSB – Gilberto Bueno, PY2JAC – Cardinalli, PY2GSP – Oliveira, PY2VBB – Paulo Cuyabano (falecido), PY2DZF – Hélio, PY2FHJ – Henrique, PY2BON – Bandeira, PY2SP – Josué (falecido), PY2EMD – Shubert (falecido), PY2COV – Osmar (falecido), PY2EYN – Fernando Gorga, PY2EZL – Ralph, PY4XMW – Nelson, PYJPC – Penna Chaves, PY2APC – Perina, PY2ERU – Aymoré, PY2UG – Jorge, PY2XPF – Pedro Tucci, Antonio Augusto – da Caprioli, PY2FOX – Sérgio Laffranchi, e muitos e muitos outros que não citarei aqui, pois senão ficaria só escrevendo sobre esse grupo maravilhoso que tínhamos nessa época.

O Joly já se mostrava uma pessoa de marca registrada – tinha seu KYOKUTO KDK I (era o primeiro rádio sintetizado da época – preço de US$500) jogado entre os bancos da frente, que era devidamente protegido por um jornal velho para evitar furto. Dizia ele que daquela maneira o rádio não atraía a atenção dos meliantes! Outra marquinha registrada do Joly era a antena Hustler de ¼ de onda postada no centro do teto, que era devidamente furado a cada carro que ele comprava. O Joly não desprezava todo dia um cachorro quente do Baiano com uma garrafa de coca. Perguntado sobre qualquer questão técnica, quando colocava sua cabeça para pensar, era comum percebemos o dois estalares que dava no lóbulo inferior da própria orelha com a ponta do indicador!

Surge a Capricórnio – Por quê Chifrudinha?

Em 1978 surgia a repetidora do Capricórnio, a primeira repetidora de VHF de Campinas. Instalada no observatório do Capricórnio (1023 m) ocupava as frequências de 147.820MHZ -1600. Foi lá que o Joly fincou sua antena dipolo de 8 elementos (os chifres), algo audacioso para a época. A Capricórnio teve seus tempos de glória superando na época o “ibope” da antiga Chapéu de Palha, com sinais estrondosos e “estúpidos” (expressão muito usada pelo Joly) dentro da cidade de São Paulo. Todo este conjunto definitivamente solidificava o nome JOLY como profundo conhecedor de tecnologia de comunicação na época. Em paralelo às suas atividades, Joly reparava rádios de muitos colegas – espalhando sua fama de competência por todo o país. Me recordo, que a cada tecnologia de rádio que chegava, o Joly dizia: “este é o limite, não conseguirei reparar este modelo!” Mas dias depois estudava o esquema, pedia o manual de serviço e dominava perfeitamente a tecnologia. Exemplo de autodidata, estudioso e com especial inteligência, PY2BDJ dava aulas aos melhores engenheiros formados, da Unicamp ao Ita – sem nunca ter sentado nos bancos de qualquer escola técnica. Diziam as línguas ferinas, e na base da pura brincadeira, que quem consertava os rádios era a Dona Silvia, a sempre companheira e esposa do Barão (Joly – explicarei por que Barão).

Anos 80 no CPqD da Telebrás

No início dos anos 80, o Joly começa a trabalhar no CPqD (antigo centro de pesquisas da Telebrás em Campinas) a convite do amigo PY2FJQ – Samuel (falecido em acidente de helicóptero dentro do CPqD). A rotina de trabalho fez com que PY2BDJ deixasse de fazer aquilo que mais gostava: passar toda a madrugada trabalhando em seu laboratório nos fundos de sua casa. Quantas e quantas noites passamos conversando com o Joly, guardião noturno da antiga Capricórnio ou mesmo da antiga repetidora Mantiqueira de São João da Boa Vista. Lógico que falando de Mantiqueira, não poderia deixar de citar o PY2CM – Carlos Henrique (falecido) de São José do Rio Pardo – Antigo PY2TTK, como acabei gravando no seu registro na Anatel) como um grande amigo e escudeiro do Joly. Não posso deixar de citar que nessa época o Joly foi o ponta de lança da famosa repetidora do Povão (hoje 146.870MHz -600), a primeira repetidora com telefone do interior de São Paulo, em Campinas, que surgiu pela visão e organização administrativa do nosso amigo Romano Bacci – PY2MX, famoso construtor de prédios em Campinas e um dos nossos maiores e melhores amigos.

As cúbicas

Nos anos 80 o Joly se destacava por sua estação exemplar no VHF. Foi nesta época que projetou a famosa cúbica de 5 elementos que ainda hoje faz sucesso. Era direcionar os canhões e lá estava o Joly colocando um sinal maior que qualquer repetidora.

Me recordo da mudança do Joly para a Rua Rosa de Gusmão, 265 também no Castelo. Foram anos para recolocação das cúbicas. Sempre reparei o perfeccionismo do Joly que tinha todo um ritual para tratar com seus inventos, ou seja, não era concebível um serviço mais ou menos – a meta era sempre a perfeição. Como ele sempre dizia – “um quilômetro a menos ou um metro a mais – em eletrônica funciona”, o que eu sempre confirmava, pois adoro o improviso com velocidade!

As padarias – palco de nossos encontros diários – e ali não faltava o Joly.

No início dos anos oitenta migramos do Baiano’s Dog para a padaria Riviera logo em frente. Logo depois passamos para a Padaria Qmel na Coronel Quirino e acabamos baixando um pouco para a antiga padaria do Piguini, que foi renomeada com o nome Massa Pura, também na Coronel Quirino, quase no começo dos anos 90.

Era bater ponto todo o dia, com bate-papo das 20:00h até as 23:00h. Era ali que “fazíamos nossa terapia para a vida” e forjávamos o futuro do radiaoamadorismo. Em quantas e quantas noites não saíamos dali mesmo para uma madrugada inteira para ajustar a Repetidora do Capricórnio. Uma certa noite, subimos eu, Joly e Paulo Cuybano ( falecido – um dos maiores companheiros e amigos do Joly) para levarmos a repetidora. Passamos toda a madrugada tentando gravar o identificador de CW que se apagou pelo caminho.

Anos 90 – A falta de segurança nos ameaçava.

Uma noite conversávamos quando um grupo passou por lá e investiu com vontade em cima do carro do Joly. Passat branco (acho que a chapa era AU0606) e veloz para a época, com motor preparado (O Joly preparava todos os seus motores – uma vez vendeu um carro usado com motor novo – só porque reaproveitou seu antigo motor preparado no carro novo!! É até difícil de escrever isto tudo!). Apontaram a arma para nosso grupo – eu passei o dinheiro e o Joly passou a chave. O que os bandidos não contavam era com uma trava de ignição do carro – e o Joly não revelou o segredo não – empurramos o carro dele para os bandidos na contra mão pela Coronel Quirino abaixo – poucos minutos depois a Polícia localizava o carro – recuperado e intacto – para a alegria do nosso amigo, porém sem seu rádio de VHF. Quem saiu ileso da situação foi o Romano – PY2MX – ninguém quis saber de seu Del Rey, um carro lento para os bandidos e como ele nunca andou com dinheiro no bolso, nada perdeu!

Foi assim que deixamos de frequentar a padaria e basicamente se dissolvia um hábito cultivado há mais de uma década.

O radioamadorismo começa a perder seu charme!

Sem dúvida a globalização trouxe seus impactos ao radioamadorismo. A grande expansão das telecomunicações nos deixou um tanto quanto obsoletos. O telefone celular, com certeza, nos deixou completamente fora da moda. A Internet, a TV a Cabo, a televisão, a avassaladora CNN, Globosat, tudo isto fez com que nos afastássemos cada vez mais de nosso hobby, invadidos pela falta de tempo. Nesta época o Joly também mudava para sua atual residência, o que provocou um afastamento ainda maior de seus antigos hábitos e amigos. Após colocar suas antenas na nova casa, com uma torre de 25 metros, que lhe assegurava toda a imponência e força na estação. Entra em ação a freqüência 438.060MHz (o escurinho do Joly) em UHF, onde diariamente se reuniam o PY2NMG – Gomes, o PU2RCQ – Carlito, o PU2NQE – Leme , Ivan, o Xandão, o PU2MMG – Messias e PY2KU – Walter Paredella, amigos inseparáveis do Joly. Apesar de tudo, não faltava o Joly na padaria do Cambuí todo o exato dia, tomando seu café, porém com a segurança relativa oferecida pela luz do dia – os encontros noturnos no Cambuí à noite estavam definitivamente banidos.

Enfim, contávamos com o BARÃO DE JAGUARA (expressão que eu mesmo inventei em alusão ao seu prefixo – BDJ e a expressão Barão que combinava com a senioridade metódica e tradiconal do Joly) nas repetidoras de Americana e em UHF em geral, onde em cantinhos especiais continuávamos a jogar um ótimo papo fora. Papos onde se destacavam o PY2JF João Roberto, PU2LWR Mário (amigo que acompanhava o Joly nos seus testes de antenas), PY2CRI – D´orssay, PU2KLW – Glauco e PY2PW – Cal.

Em 97 o Barão comemora seus setenta anos!

Em 1997 o Joly comemorou seus 70 anos, chamando um grande número de amigos para uma festa. Na oportunidade não faltou o famoso PESTIADO (como o Joly chamava o pernil devidamente preparado – houve uma época no Brasil que a carne de porco continha uma peste – como o Joly era um gozador dos maiores batizou seu prato predileto com um nome debochado), um dos maiores prazeres do grande amigo.

Outro marca registrada do Joly você mesmo pode experimentar no Bar Giovanetti I, no largo do Rosário em Campinas, ao pedir a famosa Casquinha Joly – sanduíche carinhosamente apelidado pelos Garçons em homenagem ao seu inventor.

Em 2000 sua licença é renovada!

Tive o prazer de novo ano passado passar pela Anatel e pegar a licença renovada do Joly. Mais de 50 anos de radiomadorismo nas minhas mãos! Quando voltava de São Paulo brinquei que tinha mudado o seu prefixo para PY2AJ. Notei seu desapontamento (o Joly detestava mudanças – era uma pessoa tradicional – adorava seu prefixo em especial – nunca entendeu por que eu troquei de prefixo 4 vezes), eu reverti a brincadeira rapidamente! Enfim ele ficou muito feliz.

4 Dias antes do seu falecimento escrevia sobre ele!

Antes do Joly falecer, coincidência ou não, escrevia um artigo para o CRAM, quando externava minha vontade pela presta recuperação do nosso grande e meu especial amigo.

Infelizmente os votos foram especiais, contudo sua doença foi maior que todo o nosso pensamento positivo. Sempre tive extrema ligação de amizade com o Joly – muitas vezes dizíamos que possuíamos um certo dom de telepatia (uma frequência mental única – explicação nada mística para um radioamador ) – conseguia prever sua frase ou pensamento antes que ele o dissesse! Era algo realmente surpreendente! Parece que tive a sensação que algo aconteceria naquela semana, pois acordei tarde da noite em São Paulo, liguei meu equipamento e simplesmente coloquei o meu grande amigo no artigo! No dia seguinte liguei para o Fred – PU2TIY, neto do Joly e fiz questão de perguntar sobre o avô. Combinamos então de reparar a 146.810MHz – Capricórnio – símbolo de todo apreço que o avô tinha pelo radioamadorismo. Aliás foi nesta frequência que foi encontrado o HT do Barão – ligado minutos depois de sua morte.

Só nos resta dizer até .

Ao meu e nosso grande amigo (32 era seu número no tiro de Guerra – quando serviu o exército – em Campinas!), nossos maiores pensamentos de PAZ e HARMONIA nesta nova fase e plano que seu espírito está agora.  Sem dúvida, não é o tempo ou a distância de planos e dimensões desconhecidas que afastarão tamanha amizade que temos por você. Aqui sentimos que você cumpriu sua missão com louvor! As sua companheira e amiga Dona Silvia, as filhas Silvana e Fernanda, aos netos, em especial ao Fred, nosso mais puro sentimento de apoio espiritual nesta hora difícil de separação.

UM GRANDE ABRAÇO – CARINHO e AMIZADE!

SEUS AMIGOS!

Nota: Pedimos desculpas por eventuais lapsos de esquecimento ou falhas em relação aos inúmeros amigos que o JOLY possuía e que aqui não foram citados.